A importância de Vince Carter para o Canadá

Foto: Projects Toronto Star

Por Carol Naej

Recém aposentado e o único a conseguir o feito de jogar por quatro décadas diferentes na NBA, Vincent Lamar Carter Jr, ou Vince Carter para os íntimos, marcou a liga e o Canadá. Por mais conturbada que tenha sido sua saída da franquia, Vince revolucionou o basquete no país, dentro e fora de quadra.

Com o Maple Leafs, segundo maior campeão da Stanley Cup com 13 títulos e o sucesso do Blue Jays nos anos 90 pela MLB, Toronto era uma cidade dominada pelo hóquei e tinha o baseball como segundo esporte favorito. Até então, o interesse pelo basquete era mínimo e de gerações passadas. A cidade já havia sido casa do Toronto Huskies, que ficou ativo apenas em 1946-47, na temporada inaugural da liga americana. A busca era por uma reinserção na modalidade e em 1995, com a expansão para a temporada posterior, o Canadá ganhava duas franquias: Vancouver Grizzlies (que hoje está em Memphis) e o Toronto Raptors.

Apenas dois anos depois, com a necessidade de popularizar a modalidade, o nome de Vince Carter foi “ventilado” para a franquia. No draft de 1997, através de uma troca com o Golden State Warriors, a franquia canadense enfim selecionou o que viria a ser o divisor de águas na cidade – e no país. Vince já chamava atenção no college justamente por seu perfil atlético e habilidade em enterradas. Quando chegou à equipe formou com seu primo T-Mac uma das melhores duplas da NBA. A relação entre os dois foi crucial para a carreira de ambos, principalmente por estarem fora de seu país natal. Na sua primeira temporada, em 1999, conquistou o ROY e seu primeiro contrato com uma marca: PUMA. Seu sneaker Vinsanity foi responsável por recolocar a marca no mercado do basquete, sendo líder de vendas da PUMA, em uma era em que os Jordan’s eram as estrelas nas vitrines. Nesse momento, Vince já era conhecido como “Air Canada” por sua ofensividade.

Na sua segunda temporada, quando aumentou suas médias, levando o Raptors para sua primeira aparição em playoffs e foi selecionado para o All Star Game, tudo começaria a mudar. No Slam Dunk Contest de 2000, Carter fez uma das maiores aparições da história. Além de vencer o concurso, acabava de conquistar um país. Dali em diante, só se falava de Vince Carter. “As coisas começaram a mudar. Dava pra ver uma vibração na cidade, uma energia começando a crescer. Todos os canais, todos os outdoors, todas as escolas…tudo era o Raptors e ele era seu astro principal, então, ele brilhou”, conta Charles Oakley, um dos jogadores e mentores daquele time. A popularidade de Carter fez a Nike inclui-lo na lista de seus atletas de elite e então o fenômeno Nike Shox tomou conta de Toronto, principalmente nos encontros de sneakerheads, “desprezando” o fenômeno Jordan na época.

A essa altura, o basquete dividia atenção com o hóquei e o grande responsável disso, sabemos quem é. A semente de Vinsanity foi plantada para que a geração daquela época pudesse passar para seus filhos o amor pela modalidade, mas seu sucesso dentro e fora de quadra fez com que saísse melhor que o esperado. O brasileiro Raphael Louzada que mora há 20 anos em Toronto conta um pouco da sua experiência e do efeito de Carter para a cidade: “Eu cheguei em Toronto praticamente um ano depois que Vince. Quando comecei o high-school me lembro da galera na escola comentando as jogadas dele, foi então, em fevereiro de 2000, que aquela explosão tomou conta de Toronto. O impacto foi muito grande. A gente que estava acostumado a ver a galera com camisa do Maple Leafs, foi vendo a adesão pelo Raptors e principalmente ao Vince crescer. Os shoppings com as vitrines lotadas…”

Nos sete anos que ficou no Canadá, VC realizou diversos trabalhos filantropos. A quadra de basquete no Dixon Park inaugurada em 2003, tem os tamanhos de uma quadra da NBA e foi uma iniciativa da Carter’s Embassy of Hope, fundada em 1998 com objetivo de ajudar a comunidade. Nela foram investidos US$120 mil para jovens de Etobicoke. Em 2004, ele ajudou a financiar também um playground que fica no Wickson Trail Park, em Malvern, custando US$100 mil. Foi mais uma de suas iniciativas para oferecer recreação e educação a jovens na cidade.

Em cada quintal da cidade havia uma tabela ou as quadras ficavam lotadas, todo mundo queria parecer com Vince Carter e é dessa forma que vários sonhos começam. Graças a essa influência, nos anos posteriores houve uma ascensão de jogadores canadenses na NBA, sendo o país o segundo maior produtor de talentos para a liga. Tristan Thompson, Andrew Wiggins, Kelly Olynyk, Jamal Murray, Shai Gilgeous-Alexander, entre tantos outros que tiveram Carter como espelho.

Enterradas e jogadas espetaculares, é dessa forma que você cativa crianças, adolescentes que serão o futuro do esporte, e foi assim que Vince os fez trocar o taco de hóquei por uma bola de basquete, mas não se limitou a isso, ele mudou completamente a cultura de Toronto dentro e fora de quadra, dando esperança para que nativos pudessem acreditar no seu potencial e compreender o “poder” da cidade.

A NBA é tomada por jogadores espetaculares em suas habilidades na quadra, mas mudar um país inteiro é para poucos. O legado de Carter é acima de qualquer stats que possa ser ultrapassada em alguns jogos. Quem terá a honra de dizer que modificou totalmente a cultura de um país, colocando-o no mapa, levando os holofotes, mídias e investimentos a um lugar que antes “só estava” ao norte? Claro, Vince não é o único fator que contribuiu para a mudança de cenário no Canadá, mas é com certeza o principal. E se em 1997 não houvesse uma troca entre Warriors e Raptors? Se ele não fizesse parte disso… teríamos milhares de pessoas na Scotiabank Arena? Como o mais icônico dos torcedores da franquia, Drake, diz: “O basquete [no Canadá] teria se desenvolvido, como se desenvolveu? Acho que precisamos nos perguntar, e se? Precisamos colocar isso em perspectiva”.

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